Considerações breves: A saúde enquanto bem jurídico disponível

Considerações breves: A saúde enquanto bem jurídico disponível
O Direito tem sido um recurso capaz de dar efetividade às diretrizes traçadas pela Bioética. Surge, então, o Biodireito, que deve constituir em espaço de interação interdisciplinar.

Questões como a disponibilização da própria saúde e a recusa de tratamento, ainda que a vida seja um bem tutelado pelo Direito, começam a fazer-se presentes no meio acadêmico e nos Tribunais.

A proposta desse breve estudo é apresentar conflitos existentes nesta seara, não somente em Portugal, mas citando-se exemplos ocorridos em outros países. Não se olvida que, pelo fenômeno da globalização, os problemas tendem a ser universalizar, embora cada ordenamento tenha uma solução, vê-se que o contorno não está definido para que os juristas possam, de forma absoluta, realizar afirmações no que se refere a Saúde e ao Indivíduo, em especial.

1. De Recusa a Tratamento e o Dever de Informar

A Declaração Universal sobre Ética e os Direitos Humanos apresenta em seu art. 8º a diretriz de que deve ser observada no que se refere a vontade do indivíduo. Por esse diploma, deve ser respeitada a Vulnerabilidade Humana, ainda que o médico entenda estar seu paciente obrigado a seguir esta ou aquela conduta.

Respeito pela Vulnerabilidade Humana e pela Integridade Individual

A vulnerabilidade humana deve ser levada em consideração na aplicação e no avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e de tecnologias associadas. Indivíduos e grupos de vulnerabilidade específica devem ser protegidos e a integridade individual de cada um deve ser respeitada.

O Código Penal Português apresenta, em seu art. 156, a chamada Recusa Presumida; quer seja:

Intervenções e tratamentos médico -cirúrgicos arbitrários

1 — As pessoas indicadas no artigo 150.º que, em vista das finalidades nele apontadas, realizarem intervenções ou tratamentos sem consentimento do paciente são punidas com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

2 — O facto não é punível quando o consentimento:

a) Só puder ser obtido com adiamento que implique perigo para a vida ou perigo grave para o corpo ou para a saúde; ou

b) Tiver sido dado para certa intervenção ou tratamento, tendo vindo a realizar – se outro diferente por se ter revelado imposto pelo estado dos conhecimentos e da experiência da medicina como meio para evitar um perigo para a vida, o corpo ou a saúde; e não se verificarem circunstâncias que permitam concluir com segurança que o consentimento seria recusado.

O Art. 157 do CP, que está no Capítulo IV- Dos Crimes contra a Liberdade Pessoal, apresenta seguinte redação para o chamado de Dever de Esclarecimento do médico:

Para efeito do disposto no artigo anterior, o consentimento só é eficaz quando o paciente tiver sido devidamente esclarecido sobre o diagnóstico e a índole, alcance, envergadura e possíveis consequências da intervenção ou do tratamento, salvo se isso implicar a comunicação de circunstâncias que, a serem conhecidas pelo paciente, poriam em perigo a sua vida ou seriam susceptíveis de lhe causar grave dano à saúde, física ou psíquica. (grifo meu)

Não há a obrigatoriedade (prevista em lei) de os ESCLARECIMENTOS serem reduzidos a um Termo Formal. Verifica-se nos Tribunais que a prova de que houve esclarecimentos de forma eficaz ao Paciente estaria relacionada a verificação de certos requisitos: adequação da linguagem à cultura do utente (paciente), diagnóstico provável, terapêuticas possíveis (e aqui o possível está na esfera da realidade do utente e não na esfera dos constantes avanços tecnológicos, em especial, na evolução de medicamentos cada vez mais eficazes), e, quais os cuidados do pré e do pós-operatório (se o caso for de intervenção) ou no transcorrer do tratamento a que for submetido.

Em casos concretos, torna-se possível a análise do Dever de Esclarecimento e Consentimento do Paciente X Recusa a Tratamento, como se analisam a seguir.

Se um médico durante uma intervenção cirúrgica para a excisão de um cisto, nota que há necessidade de intervir de maneira mais ampla àquela prevista de início, é permitido não haver o C.I. Todavia, a lei exalta a vontade do indivíduo como aquela que deve ser observada: Desde que não haja circunstâncias que permitiriam presumir que o doente não queria a intervenção, item 2 do Artigo. 156 do CP (retro citado).

Vale registrar que mesmo havendo perigo de vida, a Lei permite que a vontade do doente impere.

Nos EUA, o caso “Hannah Jones” indica a tendência universal de “respeitar a vontade do indivíduo. Trata-se de uma criança que recusou implante. Os pais não puderam (e não desejavam); salvo se lhes for tirado o direito paternal. Considerou-se a jovem com maturidade suficiente para decidir que não deseja estar mais em hospitais e, neste caso, o Estado não irá intervir.

Um exemplo mais amplo à discussão está em outro caso americano, em que (Paralysed woman wins right to die) uma Paciente deseja ter desligar seu respiradouro. Não houve concordância da equipe não com a vontade expressa pela paciente. Na esfera Jurídica, o Tribunal entendeu que a vontade DELA imperava, uma vez que estava lúcida para decidir o que lhe ocorreria.

2.1 Quanto à Possibilidade de Comparar Recusa de Tratamento a Eutanásia

Seria possível comparar esse caso a uma eutanásia? Entende-se que há ABSTENÇÃO DE TRATAMENTO diferente de AÇÃO PRÓ-ATIVA. Poderia ser considerado HOMICÍDIO?

Deve haver a prevalência ao princípio da auto-determinação; consoante estabelece o Artigo. 156 do Código Penal Português (intervenções médicas ou cirúrgicas arbitrárias), como já visto.

Cita-se o Artigo 135 do Código Penal, que trata do “Incitamento ou ajuda ao suicídio”:

1 — Quem incitar outra pessoa a suicidar -se, ou lhe prestar ajuda para esse fim, é punido com pena de prisão até três anos, se o suicídio vier efectivamente a ser tentado ou a consumar-se.

2 — Se a pessoa incitada ou a quem se presta ajuda for menor de 16 anos ou tiver, por qualquer motivo, a sua capacidade de valoração ou de determinação sensivelmente diminuída, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

É mister o esclarecimento de que tal disposição não foi criada pela legislador para as situações em que as pessoas estão DOENTES, mas para todas as outras situações em que alguém são (saudável) decide tirar sua vida.

E se a “vítima” for doente? Poder-se-ia identificar a ocorrência de dois tipos de crime: o de homicídio ou o do Artigo 135, da incitação ao suicídio.

2.2 Situações confrontadas pelo Direito

Hipótese: Estado vegetativo e persistente

Exemplifica-se com o caso de Terry Sciavo (EUA): Paciente queria morrer, porque nenhuma intervenção clínica poderia levá-la à cura. A paciente apenas comia e beber para manter seu metabolismo. Esse é um tratamento? Apenas a paciente tinha OS CUIDADOS BÁSICOS, que não levam a cura.

O familiar não poderia decidir, pois se trata de direito pessoal e intransferível: a própria PESSOA DEVE DECIDIR. Dever-se-á construir provas que justifiquem a recusa presumida ou revelada.

Nesse sentido, lê-se Parecer da Comissão de Ética para as Ciências da vida, 45/CNE/CV

“toda decisão sobre a suspensão do tratamento deverá respeitar a vontade do paciente. Pode ser expressa ou presumida pelo próprio paciente ou manifestada por pessoas de confiança.”

“…não se podem aplicar soluções uniformes Faz-se necessário uma avaliação criteriosa de cada situação.”

No caso de uma criança, um bebê, que não pode manifestar sua vontade, não se pode presumir a vontade. Os pais nada podem fazer, nem o Hospital. O Estado não poderá intervir

Em se tratando de anencéfalos: ao nascer, podem viver dias, e resultar de ser ligado às máquinas. Pela disposição legal, não se poderá desligá-las a máquina. A Mãe, quando tinha o poder de decidir, não abortou, durante a gravidez; assim, não poderá decidir pelo bebê posteriormente sobre dispor da vida alheia, com base o Artigo 142 do CP, que trata da exclusão de ilicitude

Hipótese: Directivas antecipadas

Não há regulamentação em Portugal o caso de o “Doente” optar por deixar um documento em que expresse sua vontade, enquanto pode, para o momento (no caso de uma doença degenerativa) em que já não será possível fazê-lo.

Todavia, em outros países, pode ser realizado um Documento escrito por uma pessoa maior e capaz, na presença de testemunhas ou de um Notário, prevendo a incapacidade futura. O Documento deverá ser atual se faz possível haver uma nomeação de terceiro de confiança.

Acerca de um caso que se colhe no Hospital Universitário de Coimbra, ocorrido em 2004. Doente de 29 anos com insuficiência hepática, o qual recusava o órgão na hipótese de ser transplantado. Havia uma Declaração Médica Antecipada realizada em 2003. Todavia, como a manifestação não era atual, foi feito o transplante.

Observada a Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina (única lei em Portugal, mas não regulamentada), em seu Artigo 9º:

Os desejos previamente expressos, relativamente a uma intervenção médica, por um paciente que não esteja, no momento da intervenção, em condições de exprimir sua vontade, deverão ser tidos em consideração.

BIBLIOGRAFIA
1. Guilherme de Oliveira, Temas de Direito da Medicina, Coimbra, Coimbra Editora 2.ª Edição, 2005.

2. A Lei de Saúde Mental e O Internamento Compulsivo, Coimbra, Coimbra Editora 2000.

3. João Vaz Rodrigues, O consentimento informado para o acto médico no ordenamento jurídico Português (Elementos para o estudo da manifestação da vontade do paciente), Coimbra, Coimbra Editora,

2001.

4. Nuno Manuel Pinto Oliveira, O Direito Geral de Personalidade e a “Solução do Dissentimento” (Ensaio sobre um caso de “Constitucionalização do Direito Civil), Coimbra, Coimbra Editora, 2002.

5. André Gonçalo Dias Pereira, O Consentimento Informado na

Relação Médico-Paciente. Estudo de Direito Civil, Coimbra, Coimbra

Editora, 2004.

6. Código Penal Português

7. Constituição Portuguesa.

28/02/2020 – LGPD com je

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