Bolsa estupro divide opiniões

E um dos pontos polêmicos diz respeito à concepção por meio de um estupro. Se antes a mulher tinha o direito de abortar mediante essa condição, conforme o estatuto deveria manter a gravidez até o final.

E mais: se o estuprador for identificado, será obrigado a pagar pensão. Caso a mulher não tenha condições de arcar com os cuidados da criança, o Estado se responsabilizará em oferecer uma espécie de Bolsa-Estupro, no valor de um salário mínimo, até que a pessoa complete 18 anos.

O estatuto é um retrocesso, uma vez que a mulher agredida, além de ter que arcar com o trauma permanente de ter sido violentada, ainda terá que gerar um filho que não desejou e ter contato com o estuprador, já que ela terá pagar pensão, caso seja encontrado. As novas regras preveem também que a mulher poderá ser criminalizada, caso ocorra alguma coisa com o nascituro (feto).

Na opinião da assessora parlamentar do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), Joluzia Batista, o estatuto é uma aberração. “Ele vai de encontro a uma legislação já aprovada que atende mulheres vítimas de estupro e grávidas de fetos anencéfalos. O nascituro ganhou um status jurídico tão autônomo quanto o corpo que o abriga. E o estuprador ganhou status de pai! É uma violação dos direitos civis, da liberdade individual.”

A consultora em Direito Médico e presidente da Comissão de Direito da Saúde da OAB de São José dos Campos, em São Paulo, Sandra Franco, concorda com Joluzia. “As regras do estatuto são descabidas e notoriamente destoantes da realidade social e jurídica. Não há como se falar em proibir todos os tipos de aborto se a sociedade comemora como uma vitória a recente decisão do STF sobre os anencéfalos.”

Outra incoerência citada pela assessora do CFEMEA está na falta de explicação sobre essa tal bolsa-estupro. “O Estado não tem meta, não prevê quantas mulheres seriam beneficiadas. De acordo com os Boletins de Ocorrência, em São Paulo acontecem 37 estupros por dia. No Rio de Janeiro, 17”, diz. E Sandra acrescenta: “Não acredito que seja possível conceber que a pessoa que nasça de um estupro vá receber um salário mínimo do Estado como pensão até os 18 anos. Oras, haverá famílias que sequer precisam desse auxílio e outras que precisam muito mais do que esse valor.”

Joluzia lembra que a bandeira contra o aborto é levantada por grupos religiosos, o que dificulta a promoção de mudanças por meio de uma educação focada na importância do uso de preservativo e de outros métodos contraceptivos. “A pessoa pode seguir suas religiões, mas não pode impor suas ideologias a todo mundo. O estado deve ser laico. O estatuto fomenta a cultura do estupro. Seria melhor instruir as mulheres, os profissionais, levar educação sexual para as escolas.”

De acordo com um estudo feito pela Universidade de Brasília (UnB) e pela Universidade Estadual do Rio (UERJ) em 2009, 70% das mulheres que praticaram o aborto alegaram que os métodos contraceptivos falharam. “O aborto clandestino é a quinta causa de mortalidade materna. Então em vez de defender o estatuto, porque não lutar pela criação de políticas contra a violência sexual?”, reflete Joluzia.

Filhos do estupro

A psicóloga e psicoterapeuta familiar Ana Pozza também está do lado de quem reprova o estatuto e pensa que ele pratica dupla violência contra a mulher. “Além de não ter apoio emocional nenhum do governo, ela ainda será obrigada a levar adiante uma gestação nesses moldes? Isso é um controle absurdo!”, lamenta. Para Ana o único lado positivo do estatuto é a segurança financeira dada à mulher e à criança.

Não é possível prever como será a relação dessa mulher com a futura criança, uma vez que isso é muito pessoal. “A mulher que manteve a gravidez por obrigação pode até mesmo maltratar o filho, por fazê-la se lembrar sempre do trauma pelo qual passou”, avalia a psicoterapeuta.

A favor do estatuto

Já a psicóloga clínica Marisa de Abreu pensa diferente. Para ela o melhor é dar estrutura psicológica para essa mãe aprender a lidar com essa gestação. “Ninguém tem o direito de tirar uma vida. E no caso de um estupro, é como se você se vingasse de um ser que não tem culpa de nada. Ele não é a causa do acontecimento, mas a consequência.”

Dra. Nadir Pazin, advogada e vice-coordenadora da Comissão Regional em Defesa da Vida Sul I da CNBB, trabalha contra a legalização do aborto no Brasil e também se diz feliz com a aprovação do estatuto. Para ela, esta é uma forma de garantir para a criança que foi concebida todos os direitos que são assegurados a qualquer pessoa. Mesmo em caso de ameaça – um estupro que resulte num aborto dessa criança – ela terá sua integridade resguardada.

“O aborto em caso de estupro já é contemplado pelo Código Penal. Toda mulher que sofrer algum tipo de abuso, vier a engravidar e procurar ajuda terá o amparo de médicos e psicólogos para lhe ajudar a tomar a melhor decisão”, diz. “A violência de matar uma criança não vai apagar a violência que a mulher sofreu”, completa.

A advogada afirma que as mulheres que pensam em aborto são aquelas abandonadas pelo companheiro e que se veem sozinhas com a criança, sem ninguém para lhes estender a mão. Com o estatuto, elas terão o respaldo necessário para levar a gravidez adiante. “Se ela não quiser ficar com o filho tem a opção de doá-lo. Eu penso que ela deve deixar a criança cumprir a missão dela, de fazer outra família muito feliz. Entregar para adoção não é crime, mas o aborto é.”

Por Juliana Falcão

Site Vila Mulher – Portal Terra: http://vilamulher.terra.com.br/bolsa-estupro-divide-opinioes-8-1-55-1053.html

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