O joio do trigo na publicidade médica

Sandra Franco*

O Conselho Federal de Medicina (CFM) endureceu as regras que definem a conduta dos profissionais da área em relação às redes sociais e à propaganda e divulgação do trabalho que realizam, ao publicar a Resolução 2.126/2015. As restrições atingem até informações dos profissionais em entrevistas para meios de comunicação.

Mas, é isso que a classe quer? E a sociedade precisa ser protegida do marketing dos médicos? Qual o limite da intervenção da entidade na relação médico x paciente?

A questão poderia ser analisada sob dois grandes prismas: o primeiro, importantíssimo, é a ética. Outro ponto é o distanciamento entre a publicidade enganosa e abusiva do marketing positivo e informativo.

Sob o enfoque da ética, é indiscutível que o sigilo entre o médico e o paciente deva ser preservado a qualquer preço – o sigilo permite ao médico partilhar um pouco da intimidade do paciente, muitas vezes desconhecida de pessoas próximas. Nesse sentido, é louvável toda e qualquer iniciativa do Conselho. Mas, se considerarmos que o sigilo é do paciente e que ele pode prescindir desse direito, o que justificaria a proibição de divulgar fotos de antes e depois autorizadas pelo paciente ou ainda de tornar pública uma foto do paciente com o profissional?

A propaganda enganosa é punível na esfera do Judiciário, inclusive servindo como fundamento de condenações de qualquer profissional ou instituição de saúde que cometa esse ilícito. A promessa de resultado (e o não alcance) macula qualquer profissional.

O Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor tornam imprescindível a informação clara, objetiva e verdadeira. O Código de Ética Medica também dispõe que comete infração ética aquele que não informar ao paciente sobre o diagnóstico, terapêutica e prognostico. Esse argumento, todavia, não torna nova a resolução representativa e, pelo contrário, com a justificativa de preservar a sociedade, o texto apresenta uma restrição até ao direito de o paciente demonstrar publicamente sua satisfação quanto a um tratamento nas páginas das redes sociais dos médicos e instituições médicas, com elogios. É dever do médico impedir!

Cabe ao médico bloquear comentários em sua página. E seus os comentários forem negativos e servirem justamente para desmascarar o mau profissional perante a sociedade?

Corroborando esse entendimento, se o paciente quer deixar-se exibir em um programa televisivo por sua vontade, por que o sigilo estaria comprometido? Evidente que, se há médicos que exacerbam dessa liberdade e causam danos ao paciente, estes deverão ser punidos.

De outro lado, deve ser proibido aquele que opina em uma revista ou jornal acerca de determinado tratamento ou que demonstra em um programa como é a técnica e/ou equipamento empregados em dado tratamento? Seria uma concorrência desleal? Não poderia ser visto como uma forma de divulgar tratamentos com embasamentos técnicos para deixar seguro o paciente?

Todos os dias médicos são chamados aos Conselhos Regionais e Delegacias por colocarem a palavra “estética” junto ao nome de suas clínicas. Nem se está falando aqui do uso da expressão “Medicina Estética”, desconjurada pelos conselheiros por não se tratar de especialidade reconhecida nem de área de atuação, mas tão somente da aproximação entre os dois substantivos: medicina e estética.

Em tempos em que as pessoas participam de reality shows, contando com milhares de expectadores e que expõe suas vidas na rede social, a resolução mostra-se distante do real.

O ato a ser punido deveria se limitar única e exclusivamente a divulgação não autorizada por parte do paciente, pois tal ato sim viola seriamente o dever de sigilo e coloca a Medicina sob suspeita.

Muito interessante também é a proibição de o médico apresentar em suas páginas na web as fotos com a estrutura de sua clínica, do qual fazem parte os equipamentos utilizados. Qual o ao paciente? Nenhum, salvo se o equipamento não for aprovado na Anvisa. Mas se há aprovação do equipamento, há autorização para o uso a que se destina. Qual o prejuízo à imagem do médico por divulgar? Nenhuma, em tese, salvo se estiver causando maleficio ao paciente. A alegação seria a de que haver concorrência desleal ou ainda de que haveria uma interação entre médicos e fabricantes.

Mas, se o profissional oferece aquele tratamento, se está apto a desenvolver a atividade, se investiu dinheiro e se tem preparo técnico para a execução, de fato ele se encontra em situação mais privilegiada que outro colega. É um direito do paciente/consumidor ser informado sobre os tratamentos, inclusive se possuem estudos demonstrando resultados. É defensável que o paciente, antes de buscar um serviço, visualize o que lhe pode ser oferecido, ainda que virtualmente.

O Conselho tem gastado muita energia e dinheiro com a repressão ao que considera publicidade enganosa, sensacionalismo e concorrência desleal. Os profissionais são chamados a responderem sindicâncias, em especial por denúncias anônimas que não derivam da sociedade, mas de colegas concorrentes. Ou seja, a avalanche de processos que chega aos Conselhos não é por motivos éticos, mas sim comerciais, salvo alguns poucos casos.

Parece haver uma grande confusão de valores e objetivos. Tal como ocorre com a classe dos advogados, a qual, aliás, em recente pesquisa apresentou 83% de desaprovação pelos profissionais no que se refere à proibição pela OAB de o profissional fazer propaganda.

Se há médicos que anunciam cirurgias plásticas para pagamento a prazo, se colocam em seus sites valores correspondentes a cada parte do corpo (como se faz em açougue) e se fazem da Medicina mero comércio, se oferecem resultados milagrosos, estes devem ser pontualmente punidos. O excesso de vedações traz insegurança ao profissional e tira direito de escolha da sociedade e o direito à livre concorrência.

Há que se separar o joio do trigo sim, mas com critérios.

* Sandra Franco é consultora jurídica especializada em direito médico e da saúde, é presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos (SP), conselheira no Conselho Municipal de Saúde (COMUS) de São José dos Campos (SP), presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, MBA Executivo em Saúde e doutoranda em Saúde Pública.

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