Responsabilidade Civil das Farmácias de Manipulação

Dra. Sandra Franco – Advogada Especializada em Responsabilidade Civil

Dr. Fábio R. Franco Lima – Promotor de Justiça do MP/SP

Não se fará aqui um tratado sobre a responsabilidade civil, pois a seara é vasta e muito há para se discutir. Importa-nos reconhecer de imediato as questões base da responsabilidade civil das farmácias de manipulação. Como toda conduta que cause dano a alguém, a responsabilidade pode ter repercussão nas esferas civil, penal e administrativa. Abordaremos a esfera cível.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei 8.078/90) é o diploma base da relação comercial entre as farmácias e os adquirentes de seus produtos, uma vez que trata de relação de consumo. Impende esclarecer que as farmácias de manipulação são fornecedores, nos termos do artigo 3º, caput, do CDC: “fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição, ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.

Na esfera cível são diversos os regramentos impostos pelo CDC. Nos termos do art. 6º, III, do CDC é direito básico do consumidor a ampla e integral informação dos produtos, de modo que a sua ausência ou a sua ineficiência pode acarretar a responsabilização do fornecedor. Da mesma forma, o fornecedor deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto (art. 9º).

O art. 12 do CDC cuida especificamente da responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto, estabelecendo que o agente econômico deva responder, independentemente da existência de culpa, pelos danos ocasionados aos consumidores em razão. Trata-se da responsabilidade objetiva do fornecedor, segundo a qual basta o consumidor provar a sua ação ou omissão da farmácia, o dano produzido e o nexo de causa entre ambos.

De passagem, deve-se indicar aqui que o farmaceutico (técnico legalmente habilitado a manipular e comercializar produtos e substâncias medicas, obrigatoriamente registrado no Conselho Regional de Farmácia, Lei 3820/60 e 5991/73) responde; solidariamente pelos atos de seus prepostos, como é da regra do artigo 932 do Código Civil/2002.

É responsabilidade do farmacêutico a observância à prescrição médica e à literatura farmacológica aceita. Se o profissional não observa a pesagem de uma substância e deste erro deriva maior concentração da substância e, consequentemente, dano ao consumidor, poderão responder a farmácia de manipulação e o farmacêutico civilmente.

As farmácias, para ilidir a sua responsabilidade objetiva, deverão provar: I – que não colocou o produto no mercado; II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 12, § 3º) ou eventual caso fortuito ou força maior. Neste sentido, não haverá responsabilidade, por exemplo, se o consumidor deixar exposto ao sol determinado medicamento manipulado que deveria ser acondicionado em geladeira e, após uso, o produto causar reação alérgica. Reafirmamos a importância da veiculação de informações adequadas aos consumidores para a prevenção de eventuais responsabilizações.

Neste sentido: Apelação cível. Ação de indenização por danos morais. Medicamento. Manipulação e venda equivocadas. Efeitos colaterais nocivos. Responsabilidade Civil Objetiva. (Apelação Cível Nº 20000004968129000 – TA/MG).

Nesse passo, cumpre observar que além da indenização pelos danos materiais, caberá a indenização pelo dano moral. Inexistem parâmetros e limites certos fixados na legislação em vigor, o que implica necessidade de o magistrado proceder ao arbitramento. Nesse mister leva-se em conta a dupla finalidade da condenação: a de punir o causador do dano, de forma a desestimulá-lo à prática futura de atos semelhantes, bem como a de compensar a vítima pela humilhação e dor indevidamente impostas, evitando, sempre, que o ressarcimento se transforme numa fonte de enriquecimento injustificado ou que seja inexpressivo ao ponto de não retribuir o mal causado pela ofensa. Já se decidiu que “a indenização por dano moral é arbitrável, mediante estimativa prudencial que leve em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa.” (RT, 706/67).

Por derradeiro, ainda quanto à responsabilização na esfera cível, importante destacar que o CDC esclarece que há responsabilidade solidária entre todos os fornecedores envolvidos na cadeia de produção do produto (art. 7º, parágrafo único). Assim, caso haja a manipulação um medicamento com matéria prima deteriorada, tanto a farmácia quanto o fornecedor da matéria prima serão responsáveis pelo dano, podendo o consumidor acioná-los individual ou conjuntamente.

Possui Responsabilidade Civil também a farmácia de manipulação que entrega o produto em domicílio, de forma solidária com o entregador. Ou seja, problemas que surjam com o medicamento em razão do transporte poderão ser imputados à farmácia e ao entregador, ainda que somente este último tenha dado causa.

Partindo destas premissas, portanto, são esses alguns dos riscos que farmacêuticos, profissionais da saúde e instituições estão expostos durante os 365 dias do ano. Os “acidentes” profissionais são um risco. Se o profissional em sua ação diária não respeita as regras da profissão, ou mesmo respeitando-as rigidamente causam um dano a outrem, haverá a responsabilidade civil e a conseqüente indenização.

Soluções para o problema das demandas civis contra profissionais da área de saúde e instituições, contra os riscos oriundos do exercício da profissão são programas rígidos de controle de qualidade, atualização profissional, constante aperfeiçoamento da área técnica e conhecimento da legislação. E acima de tudo, o profissional da área de saúde tem de se preocupar com o consumidor final: o paciente.

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